Chapo pisa o solo da crise: a visita que tenta reconstruir o Estado num Cabo Delgado exausto, mas não derrotado
Há dias que ultrapassam o protocolo e entram directamente na memória colectiva. O sábado em que Daniel Francisco Chapo decidiu subir ao Teatro Operacional Norte (TON) foi um desses dias. Não apenas pela imagem do Presidente dentro de um dos territórios mais violentados do País, mas pela mensagem política e simbólica que essa presença carrega: Moçambique está a tentar reescrever o seu próprio Estado nos lugares onde o Estado foi quebrado.
E Cabo Delgado é, desde 2017, o centro dessa ferida aberta.
Cabo Delgado, entre história, abandono e esperança frustrada

Muito antes da insurgência redesenhar a província com sangue, Cabo Delgado já vivia num paradoxo:
- terra de riqueza extraordinária,
- mas com populações empurradas para à margem;
- território de rotas históricas,
- mas com infra-estruturas mínimas;
- província de promessas internacionais multimilionárias,
- mas vivendo ciclos profundos de pobreza.
É impossível compreender o conflito sem reconhecer esse histórico de desigualdade, abandono prolongado e ausência estatal que se acumulou durante décadas.
A insurgência encontrou, ali, terreno fértil para manipular frustrações e transformar jovens marginalizados em soldados de uma guerra que muitos, no início, nem compreendiam.
O resultado é conhecido: aldeias queimadas, famílias dispersas, tradições destruídas e mais de 800 mil deslocados espalhados por campos improvisados — alguns deles sem nunca terem recebido uma explicação clara do porquê daquele horror lhes ter caído sobre a vida.
Chapo no terreno: gesto político ou mudança real?
A entrada de Daniel Chapo nesse cenário não foi apenas uma visita. Foi um acto político calculado — e necessário.
Um Presidente recém-eleito a caminhar pelo epicentro da violência uma semana depois de assumir o cargo não é apenas coragem; é um recado.
O Estado, durante anos acusado de ausência, negligência e lentidão, está a tentar provar que voltou.
Chapo percorreu bases, falou com tropas, observou posições, escutou relatos operacionais e transmitiu a ideia de que não governará o País a partir de Maputo, mas sim com presença física nos lugares onde a crise mais exige liderança.
Se conseguirá cumprir essa promessa é outra discussão — mas o gesto, em si, tem peso político.
A presença do Ruanda e o debate que Moçambique não pode evitar

A cooperação com o Ruanda transformou-se, ao longo dos últimos anos, num tema sensível, por vezes polémico.
Há quem a veja como dependência excessiva.
Há quem a defenda como parceria salvadora.
Mas a visita mostrou algo importante: a cooperação é mais profunda do que se assume.
Chapo reconheceu o papel do Ruanda com naturalidade, sem complexos.
E isso indica um possível novo capítulo:
Moçambique pode estar a caminhar para uma visão pragmática em que segurança regional é responsabilidade conjunta, não motivo de disputa política interna.
Não se trata apenas de partilha militar.
É também um posicionamento ético — e um reconhecimento de que nenhum país africano vencerá sozinho as guerras do século XXI, sejam elas terroristas, climáticas ou económicas.
Reconstruir a partir do pó: a parte mais difícil começa agora
Se a guerra destrói rapidamente, a reconstrução exige uma paciência que Moçambique, por vezes, parece não ter.
E é aqui que o discurso de Chapo se torna relevante.
Quando o Presidente fala em:
- reabrir escolas,
- recuperar aldeias,
- reconstruir mercados,
- devolver dignidade às famílias que enterraram os seus mortos longe de casa,
ele está, de facto, a assumir uma posição que ultrapassa a dimensão militar.
Está a dizer que a paz não é o fim da guerra — é o começo de outra batalha.
Uma batalha contra o abandono histórico.
Uma batalha contra a corrupção que desviou recursos destinados ao Norte.
Uma batalha contra a desigualdade que alimenta revoltas.
E, sobretudo, uma batalha contra a tentação de esquecer Cabo Delgado assim que os tiros diminuem.
Memória, luto e identidade nacional
A homenagem aos soldados caídos marcou talvez o ponto mais profundo da visita.
Não foi um acto político; foi um acto moral.
A presença silenciosa diante do monumento aos combatentes recordou algo que o País, muitas vezes, evita admitir:
Moçambique tem uma dívida com aqueles que morreram para manter a linha da soberania.
Num contexto onde a guerra ainda ecoa, onde centenas de famílias continuam desaparecidas e onde cada aldeia destruída carrega uma história que não volta, esse momento devolveu humanidade ao discurso oficial — algo que, nos últimos anos, andava ausente.
A opinião: esta visita é necessária, mas não suficiente
A deslocação de Chapo tem impacto, é simbólica, recoloca o Estado no mapa e demonstra coragem presidencial.
Mas é preciso ser honesto: uma visita não reconstrói uma província.
Cabo Delgado precisa de:
- políticas públicas reais,
- presença do Estado além de discursos,
- investigação séria sobre abusos cometidos por todos os lados,
- inclusão de jovens nas decisões locais,
- e um plano económico que não transforme recursos naturais apenas em lucros para empresas estrangeiras.
Se Chapo transformar a visita em política efectiva, terá iniciado uma ruptura necessária na forma como Moçambique encara as suas feridas.
Se for apenas um gesto isolado, voltaremos ao ciclo de esquecimentos que alimentou esta guerra.
Conclusão: o Estado regressou ao Norte — agora precisa permanecer
Ao deixar Cabo Delgado, o Presidente retirou mais do que imagens: deixou expectativas, dúvidas e, sobretudo, esperança.
Esperança de que o Norte não seja tratado como uma zona de combate, mas como parte integral da identidade nacional.
O País está hoje num ponto de inflexão.
Segurança e desenvolvimento não são temas paralelos — são peças inseparáveis do mesmo futuro.
E a visita de Chapo, embora não resolva nada sozinha, marca o início de uma narrativa nova:
um Estado que tenta reaparecer onde a guerra tentou apagá-lo.
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