O Tribunal Administrativo (TA) voltou a chamar atenção para um problema que persiste há vários anos na gestão das receitas provenientes dos recursos naturais em Moçambique. No seu mais recente Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE), referente ao exercício de 2024, a instituição revela que uma parte significativa do dinheiro que deveria beneficiar as comunidades próximas dos projectos mineiros e petrolíferos não chegou ao destino final.
Segundo o documento, dos 318,7 milhões de Meticais previstos para serem canalizados às comunidades hospedeiras, 123 milhões de Meticais não foram efectivamente transferidos. As províncias da Zambézia e de Tete voltam a ser as principais afectadas por esta situação, apesar de o Governo ter reportado uma execução de 100% dos fundos programados.
Lei prevê 10% das receitas para beneficiar comunidades e províncias
A legislação nacional determina que 10% das receitas provenientes do Imposto de Produção Mineira (IPM) e do Imposto de Produção Petrolífera (IPP) devem ser partilhadas com as regiões onde são desenvolvidos os projectos de exploração. Deste montante, 7,25% é destinado às províncias e 2,75% às comunidades locais.
Para 2024, o Executivo previa arrecadar cerca de 11,7 mil milhões de Meticais através destes impostos, o que resultaria em 840,3 milhões de Meticais para as províncias e 318,7 milhões de Meticais para as comunidades. Na Conta Geral do Estado, o Governo afirma ter transferido a totalidade dos valores.
Auditoria revela contradições nos números apresentados pelo Governo
Contrariamente ao que consta na CGE, o Tribunal Administrativo constatou que as províncias de Tete e Zambézia registaram níveis de execução de apenas 24,3% e 24,9%, respectivamente. Isto significa que:
- Tete recebeu apenas 24,3 milhões de Meticais dos 98,1 milhões previstos;
- Zambézia recebeu 15,6 milhões de Meticais dos 64,8 milhões que deveriam ser canalizados.
Os dados mostram igualmente que algumas comunidades não receberam qualquer valor, apesar de o Governo assegurar que o montante lhes foi transferido.
Entre os casos mais críticos estão as comunidades de:
- Mitange (Chinde) – que não recebeu nenhum dos 13,2 milhões de Meticais reportados;
- Alto-Molócuè (Alto-Molócuè) – que não recebeu os 300 mil Meticais previstos;
- Benga (Moatize) – sem registo dos 11,4 milhões anunciados pelo Executivo;
- Kachembe (Marara) – onde não se verificou a chegada dos 600 mil Meticais reportados.
TA alerta para violação de princípios legais e contabilísticos
O relatório aponta que a falta de transferência efectiva constitui violação das normas do PESOE e da Lei do SISTAFE, que exigem rigor, clareza e exactidão na execução do orçamento. Para o Tribunal Administrativo, a inclusão na Conta Geral do Estado de dados que não espelham a realidade dos desembolsos representa uma quebra dos princípios de transparência e legalidade.
Questionado sobre as razões para as discrepâncias, o Governo respondeu que realizou transferências para Nampula, Tete e Zambézia, incluindo valores inscritos como Despesas por Pagar. No entanto, o TA considerou que a resposta não explica a divergência entre o que foi registado na contabilidade do Estado e o que as províncias efectivamente receberam.
Ministra das Finanças assume falhas e promete melhorias
Durante a sessão parlamentar desta quinta-feira, a Ministra das Finanças, Carla Louveira, reconheceu que apenas 314,9 milhões de Meticais — equivalentes a 98,8% dos valores destinados — foram realmente processados. Desse montante, 76,1 milhões foram pagos durante 2024, enquanto 238,8 milhões permaneceram como Despesas por Pagar, com liquidação prevista para 2025.
A governante garantiu ainda que, a partir de 2026, o Executivo pretende assegurar que todos os fundos destinados às comunidades e províncias sejam disponibilizados dentro do próprio exercício económico.
Problema recorrente: situação repetiu-se em 2023
O TA recorda que esta não é a primeira vez que encontra discrepâncias nas contas públicas relacionadas aos fundos das comunidades. No relatório referente a 2023, o Governo havia declarado ter transferido 77,1 milhões de Meticais, mas os auditores confirmaram apenas 21,5 milhões recebidos por seis comunidades. Um total de 55,5 milhões não chegou ao destino, afectando 24 comunidades em várias províncias.
O Tribunal destaca que, entre as poucas comunidades que receberam a totalidade dos valores previstos, estão Balama, Mitange e Gúruè — três de um universo muito mais vasto que deveria ser contemplado.
Conclusão
O novo relatório do Tribunal Administrativo volta a pôr em evidência fragilidades sérias na gestão das receitas da indústria extractiva. As falhas na transferência de fundos destinados às comunidades locais continuam a comprometer a confiança pública e a prejudicar regiões que deveriam beneficiar directamente da exploração dos recursos naturais.
A expectativa agora recai sobre o compromisso do Governo em corrigir estas irregularidades e alinhar a prática financeira com as exigências legais, garantindo que os recursos cheguem finalmente a quem deles depende para melhorar as condições de vida e promover o desenvolvimento local.
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